Face à elevada prevalência de crianças portuguesas com perturbações da comunicação, são necessários instrumentos válidos para a deteção precoce destas perturbações. Neste sentido, o objetivo deste estudo é determinar a eficácia do Early Communication Indicator-Portugal (ECI-Portugal) na identificação do risco de crianças portuguesas desenvolverem uma perturbação da comunicação. A amostra do estudo foi constituída por 480 crianças de todo o país, com idades compreendidas entre os 6 e os 42 meses, 40 das quais foram identificadas como tendo perturbações da comunicação. Os resultados revelaram que as crianças com perturbações da comunicação apresentam um desenvolvimento comunicativo expressivo significativamente mais lento do que as crianças com desenvolvimento típico, incluindo o uso mais prolongado de vocalizações e o aparecimento mais tardio de palavras e frases. Estes resultados demonstram a utilidade da ECI-Portugal na identificação de diferenças entre crianças com e sem perturbações da comunicação desde tenra idade, e a sua potencial importância como instrumento de avaliação e monitorização de problemas relacionados com a comunicação em crianças portuguesas desde tenra idade.
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Como Citar
Ferreira, S. C. A., Cruz-Santos, A., & Almeida, L. (2024). Avaliação da comunicação expressiva em crianças em idades precoces com o Early Communication Indicator-Portugal. Revista de Estudios e Investigación en Psicología y Educación, 11(1). https://doi.org/10.17979/reipe.2024.11.1.10029
Sandra Cristina Araújo Ferreira, Universidade do Minho
Instituto de Educação, Universidade do Minho, Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC): https://www.ciec-um.com/ Braga Portugal
Anabela Cruz-Santos, Universidade do Minho
Instituto de Educação, Universidade do Minho, Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC): https://www.ciec-um.com/ Braga Portugal
Leandro Almeida, Universidade do Minho
Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Centro de Investigação em Psicologia (CIPsi): https://cipsi.uminho.pt/ Braga – Portugal
Ferreira, Cruz-Santos, and Almeida: Avaliação da comunicação expressiva em crianças em idades precoces com o Early Communication
Indicator-Portugal
A aquisição da competência comunicativa é essencial para o desenvolvimento global
da criança (; ). De modo específico, o domínio da comunicação expressiva possibilitará à criança
expressar as suas necessidades e desejos, e interagir de forma apropriada no mundo
que a rodeia, tendo os primeiros três anos uma importância fulcral nesta matéria ().
É possível identificar uma progressão típica do desenvolvimento comunicativo expressivo
nos primeiros anos, comum à maioria das crianças, e comum a diferentes países e culturas
(). Nos primeiros meses de vida, a criança já é capaz de produzir uma gama de sons
e vocalizações para diferentes manifestações. Mais tarde, aproximadamente por volta
dos 8 meses, a criança começa a produzir os primeiros gestos com intencionalidade
comunicativa. Por volta dos 12 meses poderão começar a surgir as primeiras palavras,
e poucos meses depois a criança começa a realizar as primeiras combinações de palavras,
que dão origem às frases. Entre os 24 e os 36 meses, a criança produz frases cada
vez mais completas e complexas. Aos 3 anos inicia-se a capacidade para identificar
e manipular os segmentos sonoros que compõem as palavras, a fala torna-se mais inteligível,
e o vocabulário cresce exponencialmente. A criança mostra-se cada vez mais proficiente
na sua competência comunicativa, adequando a forma como comunica a uma grande variedade
de contextos (; ; ; ).
Independentemente desta progressão típica, os intervalos de tempo das aquisições comunicativas
podem variar bastante nos primeiros anos de vida (), especialmente para crianças com atrasos ou perturbações de desenvolvimento (). A maioria das crianças com atrasos, nestes primeiros anos, tende a aproximar-se
dos seus pares por volta dos 3 anos de idade. No entanto, um número significativo
de crianças ainda será diagnosticado com perturbações da comunicação mais tarde (). Assim, alguns autores identificam sinais de alerta que podem indicar risco de perturbações
da comunicação na infância. Alguns desses sinais incluem: poucas vocalizações, ou
vocalizações com nenhum ou poucos sons consonânticos até aos 18 meses; ausência das
primeiras palavras e gestos com intencionalidade comunicativa até aos 20 meses; ausência
de combinações de palavras aos 24 meses; e ausência de frases com várias palavras
até aos 36 meses (; ; ; ; ; ). Quando surgem problemas na comunicação em idades precoces, isso pode ter um impacto
bastante negativo no desenvolvimento comportamental, socio-emocional e cognitivo da
criança (). Portanto, torna-se essencial, identificar precocemente os casos de risco. Para
isso, os profissionais devem recorrer a avaliações adequadas a estas faixas etárias,
que ajudem a perceber se o desenvolvimento comunicativo está a decorrer dentro do
que é esperado, ou se apresenta problemas (). Posteriormente, é importante que os profissionais selecionem intervenções adequadas
e avaliem a eficácia dessas intervenções, através da monitorização da evolução do
desenvolvimento comunicativo ao longo do tempo ().
Uma avaliação completa e efetiva da comunicação e a sua monitorização, em idades precoces,
só é possível se envolver uma variedade de procedimentos e instrumentos, com práticas
centradas na família, e apropriadas a cada criança (; ; ). Neste sentido, muitos trabalhos expõem os benefícios de conjugar relatos parentais
com métodos observacionais, na avaliação da comunicação e linguagem das crianças,
nos primeiros anos (; ; ; ). Os relatos parentais permitem uma avaliação baseada nas mais variadas formas de
expressão da criança, em múltiplas situações e contextos, aos quais só os pais têm
o privilégio de assistir. Os relatos parentais não estão restritos a um período ou
um momento isolado no tempo, e são acessíveis dada a grande quantidade de dados que
podem ser recolhidos com relativa facilidade e eficiência (; ). Os métodos observacionais permitem uma monitorização mais objetiva da evolução
da criança ao longo do tempo, permitem analisar o desempenho da criança em interação
em tempo real, e permitem captar a natureza dinâmica, caraterística do desenvolvimento
comunicativo (; ; ; ; ). Os métodos observacionais são ainda apontados como sendo dos procedimentos mais
adequados na avaliação de crianças cultural ou linguisticamente diferentes (; ).
Na última década, observou-se em Portugal uma elevada prevalência de crianças com
perturbações da comunicação, e consequentemente, um crescente progresso ao nível da
avaliação do desenvolvimento comunicativo nos primeiros anos de vida (). Os instrumentos que avaliam a comunicação de crianças até aos 3 anos, aferidos
para a população portuguesa, centram-se sobretudo em relatos parentais, sendo o caso
do Language Use Inventory (LUI) – Português (Portugal) (), e dos Inventários de Desenvolvimento Comunicativo MacArthur-Bates, formas longas
() e reduzidas (). Até muito recentemente, não existiam em Portugal, quaisquer instrumentos aferidos,
que permitissem avaliar e monitorizar a comunicação da criança, através da observação
das suas interações com um cuidador, num ambiente mais real, e que fossem adequados
a crianças de todos os meios culturais e linguísticos. Por isso, após uma análise
aprofundada de alguns instrumentos referenciados pela literatura internacional, que
apresentassem estas caraterísticas (), levou-se a cabo a aferição do Early Communication Indicator (Greenwood et al., , , ; ) para a população portuguesa (ECI-Portugal) (; ).
Assim, o presente artigo tem como objetivo verificar a existência de diferenças entre
o desempenho comunicativo expressivo de crianças de desenvolvimento típico e crianças
com perturbações da comunicação, tendo em conta os resultados obtidos com a administração
do ECI-Portugal, e deste modo inferir a utilidade prática do ECI-Portugal para identificar
crianças portuguesas em risco de desenvolverem perturbações da comunicação.
Método
Amostra
Participaram neste estudo 480 crianças, entre os 6 e os 42 meses, de todas as regiões
de Portugal (Norte, Centro, Área Metropolitana de Lisboa, Alentejo, Algarve, Região
Autónoma dos Açores e Região Autónoma da Madeira). Esta amostra era constituída por
243 (50.6%) crianças do género feminino, e por 40 (8%) crianças com perturbações da
comunicação ou em risco. A percentagem de crianças com perturbações da comunicação
ou em risco, desta amostra, segue de perto os procedimentos amostrais de outros estudos
realizados com o ECI (ver ), e vai ao encontro das percentagens relatadas na literatura sobre as perturbações
da comunicação (). O grupo de crianças com perturbações da comunicação deste estudo contava com crianças
que, à data das avaliações com o ECI-Portugal, eram apoiadas pelos serviços de intervenção
precoce na infância, e crianças que se encontravam em seguimento em consultas de pediatria
do desenvolvimento, por apresentarem sinais de risco de perturbações da comunicação
e do desenvolvimento. Neste grupo, estavam ainda incluídas crianças que frequentavam
serviços de terapia da fala. Nem todas as crianças deste grupo apresentavam um diagnóstico
formalizado de perturbações da comunicação, contudo, as que não apresentavam esse
diagnóstico eram crianças com atrasos já identificados na comunicação e linguagem
e em risco de desenvolverem perturbações da comunicação.
Das 480 crianças da amostra, 79 crianças foram avaliadas três vezes com o ECI-Portugal,
292 crianças foram avaliadas duas vezes, e 109 crianças foram avaliadas apenas uma
vez (com uma média de 5 meses de intervalo entre avaliações, no caso das crianças
que foram avaliadas mais que uma vez). No total realizaram-se 929 avaliações com o
ECI-Portugal. O número de avaliações por mês de idade, varia entre as 6 e as 42, com
uma média de 25 (DP = 8.35) avaliações por cada mês de idade. Das 929 avaliações, 70 (7.5%) avaliações
são das crianças com perturbações da comunicação. A média de idade das crianças sem
perturbações é de 25.44 meses (DP = 9.51), e a média de idade das crianças com perturbações da comunicação é de 26.61
meses (DP = 8.27).
Instrumento
O ECI foi validado nos EUA, sendo parte integrante dos Individual Growth and Development Indicators (IGDIs), desenvolvidos pela equipa da Juniper Gardens Children’s Project, University of Kansas. O ECI foi desenvolvido com o objetivo de detetar atrasos ou perturbações da comunicação
e monitorizar o progresso comunicativo de crianças em idades precoces, e assim apoiar
na tomada de decisões para a delineação de estratégias de intervenção adequadas. O
ECI permite avaliar e monitorizar o desenvolvimento da comunicação expressiva, em
crianças dos 6 aos 42 meses de idade (Greenwood et al., , , ; ). A administração do ECI poderá realizar-se mensalmente, trimestralmente, ou mais
frequentemente, por exemplo, para avaliar os resultados da intervenção ().
A administração do ECI ocorre em 6 minutos e baseia-se na observação de uma brincadeira
semiestruturada (com a Casa ou a Quinta da Fisher-Price®) entre a criança e um cuidador.
As sessões deverão acontecer num espaço reservado e familiar para a criança (casa,
instituição educativa, etc.). Os dois brinquedos devem ser usados de forma alternada
ao longo das sessões, para manter o interesse da criança na brincadeira ().
Em cada sessão deverá registar-se os elementos comunicativos usados pela criança para
comunicar com o cuidador durante a brincadeira: gestos, vocalizações, palavras isoladas
e frases. Considera-se “gesto” um movimento físico realizado com a intenção de comunicar
com o cuidador (por exemplo, apontar, abanar a cabeça indicando “sim” ou “não”, encolher
os ombros, mostrar um brinquedo, etc.). Considera-se “vocalização” uma produção oral
que não seja entendida como uma palavra ou frase (por exemplo, imitação de sons de
animais, balbucios, arrulhos, interjeições como “mm” ou “huh”, etc.). Considera-se
“palavra” a produção de uma palavra inteligível que é automaticamente compreendida
pelo avaliador (por exemplo, nomes de pessoas, designação de objetos ou animais, imitação
de palavras produzidas pelo cuidador, etc.). Considera-se “frase” a produção de uma
combinação de duas ou mais palavras diferentes, que impliquem um significado juntas,
e que sejam percebidas pelo avaliador (por exemplo, combinações de palavras gramaticalmente
corretas ou incorretas, “cão amigo”, “eu ir parque”, etc.) (). Posteriormente, deverá somar-se de forma ponderada a frequência de todos os comportamentos
comunicativos manifestados pela criança, onde os gestos e as vocalizações são contabilizados
uma vez por cada manifestação, as palavras são contabilizadas duas vezes por cada
manifestação, e as frases são contabilizadas três vezes por cada manifestação. No
final, deverá dividir-se o total por seis (o tempo total da sessão em minutos), para
se obter o resultado global da comunicação expressiva por minuto (total de comunicação),
que reflete o desempenho comunicativo expressivo da criança. As contabilizações podem
ser diretamente inseridas no website dos IGDIs/ECI (https://igdi-ds.ku.edu), onde o total de comunicação é obtido automaticamente, e é apresentado o gráfico
com o progresso da criança, em relação às avaliações anteriores, e em relação à norma
().
Tal como referido o ECI foi recentemente adaptado e aferido para a população portuguesa
(; ), onde se levou a cabo: o pedido de autorização da utilização do instrumento aos
autores; a certificação na administração do ECI; um processo rigoroso de tradução,
de todos os procedimentos e documentos associados ao ECI, por parte de profissionais
específicos da área da comunicação e linguagem, e intervenção precoce; a reflexão
falada que apoiou na verificação da adequação e compreensão de procedimentos, materiais
e instruções, por parte dos envolvidos; a análise do estudo piloto. Depois de concluídos
os procedimentos necessários, foi possível avançar com os estudos para a aferição
nacional do ECI-Portugal ().
Procedimentos
O presente estudo integra uma investigação aprovada pela Comissão Ética da Universidade
do Minho (CEICSH 091/2019).
Depois da aprovação por parte da Comissão Ética da Universidade do Minho, iniciou-se
o estabelecimento de contactos com instituições (creches, colégios, IPSS) e com famílias
de forma particular, a nível nacional (Portugal Continental e Regiões Autónomas dos
Açores e da Madeira). A todas as instituições e famílias, que aceitaram participar
no estudo, enviaram-se os termos de consentimento informado livre e esclarecido, para
serem assinados pelos responsáveis pedagógicos das instituições, e pelos encarregados
de educação das crianças. Para além disso, enviaram-se também os questionários sociodemográficos
para se obterem dados sobre a criança e a família. Assim que os termos e os questionários
sociodemográficos se encontrassem devidamente preenchidos e assinados, marcava-se
a data para uma primeira avaliação com o ECI.
O desenho de investigação inicial passava por avaliar cada criança com o ECI, três
vezes, com um intervalo de dois meses entre avaliações. Porém, devido a vários constrangimentos,
causados principalmente pela pandemia de COVID-19, não foi possível avaliar todas
as crianças três vezes. Desta forma, tal como já foi referido, algumas crianças da
amostra foram avaliadas três vezes, outras duas vezes e, em alguns casos, apenas uma
vez, e com intervalos de tempo diferentes entre avaliações.
Depois de recolhidos todos os dados, procedeu-se aos estudos de fiabilidade e validade
dos resultados do ECI-Portugal. Nos estudos de fiabilidade, obtiveram-se coeficientes
de correlação intraclasse superiores a .96 no acordo entre observadores, e também
coeficientes de correlação superiores a .84 no teste-reteste, para todos os elementos
comunicativos ().
Relativamente aos estudos de validade, um dos estudos levados a cabo foi a verificação
de diferenças no desempenho no ECI-Portugal entre crianças com e sem perturbações
da comunicação, cujos resultados serão reportados e analisados neste trabalho. São
apresentados os resultados das curvas de crescimento multinível, que permitem verificar
se existem diferenças estatisticamente significativas entre as crianças com e sem
perturbações da comunicação ao longo do tempo. Dadas as caraterísticas dos dados recolhidos,
esta abordagem foi considerada a mais adequada pois possibilita a análise de estruturas
multinível (por exemplo, várias observações dos mesmos indivíduos ao longo do tempo),
sendo tolerante aos dados em falta (missing data), e permitindo espaçamentos diferentes entre os pontos de tempo e números diferentes
de observações entre os indivíduos. Através desta abordagem é possível, ainda, estimar
o valor da ordenada na origem, que corresponde à estimação da média em qualquer idade
específica (). Foi, ademais, a abordagem utilizada para a validação do ECI na sua versão original
(Greenwood et al., , ; ). Para a definição do modelo foram seguidos todos os passos da validação do ECI na
sua versão original (). Inicialmente foi testado o modelo nulo, que revelou que 59% da variação total do
total de comunicação se deveu à diferença interindividual entre crianças, o que corroborou
fortemente a necessidade de um modelo multinível (). Seguidamente, realizaram-se diferentes análises para se perceber qual o modelo
incondicional mais ajustado, e confirmou-se com o teste de razão de verosimilhanças
(likelihood ratio test) que o uso de um modelo quadrático com efeitos mistos (fixos e aleatórios) seria
o modelo mais adequado em comparação com um modelo linear mais simples , p <.001.
Desta forma, chegou-se à equação para o modelo incondicional:
Na equação o valor , pode estimar o valor da média do elemento comunicativo por minuto em qualquer idade,
quando essa idade é considerada igual a zero. permite determinar o declive linear (a evolução linear do coeficiente em relação
à idade). permite calcular a aceleração do declive linear. Para a análise de diferenças entre
grupos, que é o objetivo deste estudo, chegou-se à seguinte equação, que representa
o modelo condicional:
Na equação, foi incluído o preditor Condição (crianças com e sem perturbações da comunicação),
onde é possível determinar se a Condição (que é uma variável ao nível do indivíduo)
tem influência sobre as trajetórias da ordenada na origem, declive, e aceleração dos
diferentes elementos comunicativos avaliados pelo ECI.
Todas estas análises foram realizadas com recurso à biblioteca nlme (Linear and Nonlinear Mixed Effects Models) do software R, e para a execução dos gráficos foi utilizado o Microsoft Excel.
Resultados
Na Tabela 1 apresentam-se os resultados do modelo condicional da curva de crescimento multinível
para as crianças de desenvolvimento típico (nível 1), e para as crianças com perturbações
da comunicação (nível 2), aos 36 meses. Importa referir que a idade dos 36 meses é,
também, a idade de referência utilizada nos estudos de validação do ECI na sua versão
original ().
Tabela 1.Resultados da curva de crescimento multinível para as crianças portuguesas com e sem
perturbações da comunicação, para os diferentes elementos comunicativos avaliados
pelo ECI-Portugal
Modelo Condicional
Total de Comunicação
Gestos
Vocalizações
Palavras
Frases
Nível 1 - Ordenada na Origem
27.449* (0.539)
2.135* (0.082)
1.668* (0.106)
3.806* (0.121)
5.259* (0.146)
Nível 1- Declive
1.009* (0.071)
–0.071* (0.013)
–0.203* (0.018)
0.043* (0.017)
0.403* (0.018)
Nível 1 - Aceleração
0.003* (0.003)
–0.004* (0.001)
–0.005* (0.001)
–0.004* (0.001)
0.007* (0.001)
Nível 2 - Ordenada na Origem
–14.836* (1.857)
–0.567* (0.288)
1.556* (0.368)
–2.172* (0.418)
–3.683* (0.505)
Nível 2 - Declive
–0.292 (0.261)
0.070 (0.047)
0.096 (0.064)
0.081 (0.061)
–0.201* (0.066)
Nível 2 - Aceleração
0.010 (0.011)
0.004 (0.002)
–0.002 (0.003)
0.006* (0.003)
–0.001 (0.003)
Nota: Erro padrão (EP) entre parênteses; Casos = 480; Observações = 929 p < .05.
Os valores obtidos mostram a existência de diferenças estatisticamente significativas
em relação a todos os elementos comunicativos avaliados pelo ECI, entre as crianças
de desenvolvimento típico e as crianças com perturbações da comunicação (para p < .05).
Em relação ao total de comunicação essas diferenças apresentam um tamanho de efeito
elevado (d= 0.73), mas verificam-se apenas em termos de ordenada na origem t(478) = –7.990, p < .001. Não foram encontradas diferenças ao nível do declive t(445) = –1.122, p = .262, nem da aceleração t(445) = 0.919, p = .358. Estes resultados mostram que aos 36 meses o total de comunicação para as
crianças com perturbações da comunicação é –14.84 (EP = 1.857) comunicações por minuto em relação às crianças de desenvolvimento típico.
Isto significa que aos 36 meses o total de comunicação por minuto estimado para as
crianças com perturbações é de 12.61, e para as crianças de desenvolvimento típico
é de 27.45.
Relativamente aos gestos, verificam-se igualmente diferenças estatisticamente significativas
apenas na ordenada na origem, com um valor de –0.57 (EP = 0.288), t(478) = –1.970, p = .049, d = 0.18, com tamanho de efeito baixo. Estes resultados indicam que aos 36 meses as
crianças com perturbações da comunicação produzem em média –0.57 gestos por minuto
do que as outras crianças. Ou seja, as crianças de desenvolvimento típico produzem
em média 2.13 gestos por minuto, enquanto as crianças com perturbações da comunicação
produzem em média 1.56 gestos por minuto.
No que diz respeito às vocalizações, os resultados mostram igualmente diferenças estatisticamente
significativas entre os dois grupos apenas ao nível da ordenada na origem, com um
valor de 1.56 (EP = 0.368), t(478) = 4.232, p < .001, d = 0.39, apresentando tamanho de efeito moderado. Estes resultados indicam que aos
36 meses as crianças com perturbações da comunicação produzem em média mais 1.56 vocalizações
por minuto do que as crianças de desenvolvimento típico, ou seja, as crianças sem
perturbações produzem em média 1.67 vocalizações por minuto, enquanto as crianças
com perturbações produzem em média 3.23 vocalizações por minuto.
Em relação às palavras, encontram-se diferenças estatisticamente significativas na
ordenada na origem, com valor de –2.17 (EP = 0.418), t(478) = –5.191, p < .001, d = 0.47, com tamanho de efeito moderado, e também se encontram diferenças ao nível
da aceleração. Estes resultados indicam que aos 36 meses as crianças com perturbações
da comunicação produzem em média –2.17 palavras do que as crianças de desenvolvimento
típico. As crianças com perturbações da comunicação produzem em média 1.63 palavras
por minuto, enquanto as crianças de desenvolvimento típico produzem em média 3.80
palavras por minuto.
No que diz respeito à produção de frases, os dados indicam diferenças estatisticamente
significativas relativamente à ordenada na origem, com valor de –3.68 (EP = 0.505), t(478) = –7.299, p< .001, d = 0.66, e relativamente ao declive, com valor de –0.20 (EP = 0.066), t(478) = –3.057, p = .002, d = 0.29, verificando-se tamanhos de efeito elevado e moderado respetivamente. Aos
36 meses as crianças com perturbações da comunicação produzem em média 1.58 frases
por minuto, –3.68 frases por minuto do que as crianças de desenvolvimento típico,
que produzem em média 5.26 frases por minuto. Enquanto a produção de frases para as
crianças de desenvolvimento típico cresce cerca de 0.4 frases por minuto mensalmente,
para as crianças com perturbações da comunicação cresce cerca de 0.2 frases por minuto
mensalmente.
A Figura 1 mostra as diferentes trajetórias de evolução do total de comunicação por minuto,
entre os 6 e os 42 meses, para as crianças com e sem perturbações da comunicação,
com base nos resultados da curva de crescimento multinível. É possível perceber, através
destes dados, que as crianças sem perturbações, entre os 8 e os 42 meses, apresentam
sempre valores superiores para o total de comunicação. Estes resultados sugerem um
desempenho superior na comunicação expressiva ao longo do tempo das crianças de desenvolvimento
típico, relativamente às crianças com perturbações da comunicação.
Figura 1.Trajetórias estimadas no total de comunicação do eci-portugal para as crianças com
e sem perturbações da comunicação (PC)
A Figura 2 mostra as diferentes trajetórias da produção de gestos dos 6 aos 42 meses, entre
crianças com e sem perturbações da comunicação. Os dados revelam que os dois grupos
de crianças vão produzindo gestos ao longo do tempo. Contudo, enquanto as crianças
com perturbações da comunicação parecem estabilizar a produção de gestos por volta
dos doze meses, as crianças de desenvolvimento típico produzem gestos com mais frequência
e a sua produção desce ligeiramente e estabiliza por volta dos 24 meses.
Figura 2.Trajetórias estimadas da produção de gestos de acordo com os resultados do ECI-Portugal
para as crianças com e sem perturbações da comunicação (PC)
A Figura 3 apresenta as diferentes trajetórias da produção de vocalizações dos 6 aos 42 meses,
entre crianças com e sem perturbações da comunicação. Esta figura monstra que nos primeiros meses as crianças com perturbações da comunicação apresentam
valores muito baixos da produção de vocalizações, quando comparadas com as crianças
de desenvolvimento típico. As crianças de desenvolvimento típico aumentam a produção
de vocalizações até por volta dos 16 meses, e a partir desse ponto começam a reduzir
a produção das vocalizações até aos últimos meses. As crianças com perturbações da
comunicação vão produzindo cada vez mais vocalizações ao longo do intervalo de tempo
analisado, começando a estabilizar e a reduzir de modo pouco expressivo a sua produção
por volta dos 24 meses.
Figura 3.Trajetórias estimadas da produção de vocalizações de acordo com os resultados do ECI-Portugal
para as crianças com e sem perturbações da comunicação (PC)
A Figura 4 mostra as diferentes trajetórias da produção de palavras dos 6 aos 42 meses, entre
crianças com e sem perturbações da comunicação. Através dos dados da figura, é possível perceber que as crianças com perturbações da comunicação começaram a
produzir palavras cerca de 5 a 6 meses mais tarde do que as crianças de desenvolvimento
típico. As crianças com perturbações da comunicação revelam uma evolução mais lenta
na produção de palavras ao longo do intervalo de tempo analisado do que as crianças
sem perturbações.
Figura 4.Trajetórias estimadas da produção de palavras de acordo com os resultados do ECI-Portugal
para as crianças com e sem perturbações da comunicação (PC)
Finalmente, a Figura 5 mostra as diferentes trajetórias da produção de frases dos 6 aos 42 meses, entre
crianças com e sem perturbações da comunicação. Observa-se que as crianças com perturbações
da comunicação produzem menos frases, revelando uma evolução mais lenta ao longo do
tempo, com o surgimento das primeiras frases cerca de 8 meses mais tarde do que as
crianças de desenvolvimento típico.
Figura 5.Trajetórias estimadas da produção de frases de acordo com os resultados do ECI-Portugal
para as crianças com e sem perturbações da comunicação (PC)
Discussão e considerações finais
Sendo a comunicação uma competência indispensável à vida em sociedade (; ), e verificando-se uma prevalência expressiva de problemas na comunicação das crianças
portuguesas (), torna-se essencial o desenvolvimento de instrumentos que permitam identificar estes
problemas o mais precocemente possível.
No presente artigo, através da abordagem das curvas de crescimento multinível, analisou-se
a validade do ECI-Portugal (recentemente adaptado para a população portuguesa), para
identificar crianças portuguesas em risco de desenvolverem perturbações da comunicação.
Os resultados encontrados evidenciaram diferenças estatisticamente significativas
entre crianças com e sem perturbações da comunicação, para todos os elementos comunicativos
avaliados pelo ECI, o que sugere um desempenho superior e uma progressão mais célere
da comunicação expressiva por parte das crianças de desenvolvimento típico, relativamente
às crianças com perturbações da comunicação. Tomando em consideração as diferenças
encontradas em relação ao total de comunicação, verifica-se que as crianças de desenvolvimento
típico manifestam uma competência comunicativa expressiva superior, face às crianças
com perturbações da comunicação. Já no que diz respeito aos gestos, as crianças de
desenvolvimento típico produzem residualmente mais gestos do que as crianças com perturbações
da comunicação. Em relação às vocalizações, as crianças com perturbações da comunicação
utilizam mais vocalizações do que as crianças de desenvolvimento típico. As diferenças
no que concerne às palavras evidenciam que as crianças de desenvolvimento típico produzem
mais palavras do que as crianças com perturbações da comunicação. No que diz respeito
às frases, as diferenças encontradas mostram que as crianças de desenvolvimento típico
produzem um maior número de frases que as crianças com perturbações da comunicação.
Algumas diferenças mais evidentes entre os dois grupos manifestam-se especialmente
nas vocalizações, que as crianças com perturbações da comunicação produzem inicialmente
em menor quantidade, mas depois produzem mais e durante mais tempo do que as crianças
de desenvolvimento típico; nas palavras que surgem por volta de 5 meses mais tarde
nas crianças com perturbações da comunicação; e nas frases que surgem por volta de
8 meses mais tarde nas crianças com perturbações da comunicação. Estes resultados
são também encontrados noutros trabalhos onde o ECI foi utilizado como instrumento
de avaliação (; Greenwood et al., , , ). Estes resultados também vão ao encontro da literatura, que identifica como caraterísticas
das crianças em risco de desenvolverem perturbações da comunicação poucas vocalizações
nos primeiros meses, ausência ou número muito reduzido de palavras aos 20 meses; ausência
ou número muito reduzido de combinações de palavras aos 24 meses; a sua inteligibilidade
da fala é sempre inferior às crianças de desenvolvimento típico, e dessa forma as
suas produções orais vão sendo classificadas como vocalizações (; ; ; ; ; ).
Os resultados obtidos neste estudo indicam que o ECI-Portugal evidencia diferenças
entre crianças com e sem perturbações da comunicação, sendo capaz de detetar as crianças
que não seguem um padrão típico ao nível do desenvolvimento comunicativo. Estes resultados
sugerem a sua utilidade para se identificarem crianças portuguesas em risco de desenvolverem
perturbações da comunicação. O ECI-Portugal poderá, deste modo, conjugado com outros
instrumentos já existentes, tornar-se num instrumento relevante para avaliar, diagnosticar
e monitorizar problemas centrados na comunicação das crianças portuguesas em idades
precoces.
Algumas limitações, mais entendidas como desenvolvimentos futuros, podem apontar-se.
Por um lado, importa aprofundar a utilização do ECI-Portugal na diferenciação de subgrupos
de crianças tomando variáveis do desenvolvimento, e importa também verificar a sua
validade na tomada de decisões sobre as intervenções mais adequadas para cada criança
ao longo do tempo. Por outro lado, a progressiva passagem do instrumento e informação
associada deve ser assegurada para a formação dos profissionais e para a sua prática
profissional. Por último, importa salientar que é intenção dos autores a continuação
de uma estreita relação com a equipa da Juniper Gardens Children’s Project e equipas emergentes noutros países, de forma a explorar o potencial multicultural
e global do ECI.
Referências
1
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Acknowledgements
Notas
[*] O artigo foi elaborado a partir da Tese de Doutoramento da primeira autora, apresentada
em 2023, no Programa de Doutoramento em Estudos da Criança (especialidade de Educação
Especial), do Instituto de Educação – Universidade do Minho, Portugal (disponível
em: https://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/84971), e recebeu o prémio Lev Vigotsky de Investigação Psicopedagógica 2023, concedido
pela Asociación Científica Internacional de Psicopedagogía (ACIP).